segunda-feira, 1 de abril de 2024

A Guardian's Diary 3 - Seasons of Love - Capítulo 4

~Capítulo 4 - Uma primeira visão~

   O cheiro de comida fazendo o focinho de Coelhão tremer, aos poucos o retirou do mundo dos sonhos. Ele se virou levemente no ninho, notando que tudo estava quente demais, diferente do que tinha se tornado o normal para ele fazia alguns anos. Jack não estava a seu lado.

   Coelhão se espreguiçou com vontade, olhando ao redor enquanto tentava afastar o sono dos olhos. Suas orelhas potentes captaram o som do garoto cantarolando baixinho na cozinha.

   Ele não pôde deixar de achar aquilo incomum. Quase sempre o espírito do inverno deixava o trabalho na cozinha para o Pooka, dizendo não só que ele adorava tudo – ou quase tudo – que Coelhão preparava, mas também que ele não era lá muito bom na cozinha.

   Ainda assim, quando Coelhão se dirigiu para a cozinha, parando na entrada, lá estava ele.

   O Pooka sorriu, se inclinando contra o portal. Jack cantarolava baixinho para si mesmo, alguma música pop de algum cantor atual que Coelhão desconhecia, de vez em quando dançando no lugar, enquanto preparava alguma coisa no fogão mágico do templo.

   Jack não pareceu o notar, se virando por um segundo para Coelhão, sem vê-lo. Seu cérebro pareceu demorar para processar o que tinha visto.

   “Coelhão!” Ele sorriu para o Pooka, que sentiu seu coração pular. Jack parecia brilhar. “Bom dia, dorminhoco! Com fome?”

   “O que está preparando?” O Guardião da Esperança se aproximou, deixando que o rapaz o envolvesse com os braços e olhando por cima da cabeça desse para a panela na boca do fogão. “Macarrão?”

   “É, fiquei com vontade.” Jack deu de ombros e inclinou a cabeça para o lado com um sorrisinho, suas bochechas levemente azuladas. “Dentiana disse que é comum pessoas gravidas ficarem com... Desejos... De comer coisas estranhas. Mas até agora tudo o que eu quero é macarrão.” Ele explicou.

   “É, eu sei bem disso.” O Pooka assentiu. “Mas não está cedo para comer esse tipo de coisa?”

   “Cedo?” O Guardião da Diversão riu. “Quem disse que é cedo? Já é quase meio-dia!”

   Os olhos de Coelhão se arregalaram. Ele olhou por uma das janelas. O céu no teto da Toca podia ser falso, criado por magia, mas tinha sido feito para imitar o céu do lado de fora. E de fato, Coelhão conseguia adivinhar que horas eram só pela posição do sol.

   “E por que você não me acordou?” Ele perguntou com uma leve acidez. Não era como se ele realmente estivesse irritado, mas ele tinha coisas para fazer, ovos para pintar, cestas para preparar!

   “Acredite, eu tentei.” Jack deu de ombros, sua atenção mais voltada para a comida do que qualquer outra coisa. “Mas quem disse que é fácil?” E ele lançou um olhar na direção do Pooka. “E também... Você fica uma graça quando dorme~”

   Coelhão virou o rosto, o pelo que o cobria escondia o rubor que subiu até suas bochechas, mas as orelhas levemente caídas revelavam mais do que ele gostaria. Ele balançou a cabeça, decidindo deixar aquilo de lado e se focar em ajudar Jack a terminar com o almoço – bem, café-da-manhã também para o Pooka.

   “Mas sabe, eu acho que você tem que descansar mais.” Jack disse enquanto pegava os pratos que eles costumavam usar. As orelhas de Coelhão mostravam que ele estava ouvindo, embora estivesse focado no que fazia. “Sabe, salvar a sua energia pra Páscoa. Porque ela logo vai estar aí...”

   “Sim, e eu tenho que me preparar para ela.” Coelhão disse simplesmente. “Eu encontro momento para descansar em algum ponto.”

   “É, claro. Mas tem várias vezes que você trabalha o dia inteiro e fica tão cansado que você só se joga no ninho e ‘tchauzinho’~, você apaga pro mundo!” Jack disse e tinha algo no tom de voz dele que fez Coelhão se virar. O rapaz estava parado ao lado da mesa, as mãos na cintura enquanto ele olhava de modo sério para o Pooka. “Aposto que você nem sequer tem sonhos as vezes, porque não tem como o Sandy chegar aqui tão rápido assim!”

   Coelhão tentou não sorrir, mas estava sendo difícil.

   “E pensa assim, se você descansa, você guarda mais forças pra pular por aí pelo mundo inteiro escondendo ovos!” Jack continuou falando enquanto terminava de preparar a mesa. “E você com certeza se sentiria muito melhor! Menos cansado...” Ele lançou um olhar sabido na direção de seu namorado, uma vez que a esse ponto ambos sabiam o quão cansativo era o trabalho do Coelho da Páscoa.

   Aquele olhar foi o fim para Coelhão.

   O Pooka riu, começando com uma risadinha baixa, antes de se tornar uma gargalhada. Jack parou o que estava fazendo, piscando uma ou duas vezes, sem entender o que estava acontecendo.

   “O que? O que é tão engraçado?” Ele perguntou.

   “Nada, nada...” Coelhão disse simplesmente, apagando o fogão e se focando em terminar de preparar a comida. Ele só ouviu um “uhum” de Jack e quando ele ergueu os olhos o rapaz estava o encarando com os braços cruzados e uma sobrancelha arqueada. Aquilo fez o Pooka rir novamente. “Olhe só para você. A gravidez já está te ensinando a ser mais maternal, não está?”

   Demorou um pouco para Jack processar a informação, então suas bochechas se tornaram azuladas e ele desviou o rosto.

   “Tudo bem então! Eu vou parar de me importar com o bem estar do meu namorado se é assim.” Ele disse, soltando um suave “hunf!” antes de se sentar na cadeira, os braços ainda cruzados e um biquinho enfeitando seus lábios.

   “Ei, eu não disse que tinha um problema com isso.” Coelhão mencionou, se aproximando da mesa para pegar os pratos. Ele se inclinou para ficar no mesmo nível que o espírito, mas esse desviou o rosto quando o Pooka se aproximou. Coelhão revirou os olhos e apertou um beijinho contra a bochecha desse. “Na verdade é uma gracinha.”

   “Cala a boca, eu estou brabo com você!” Jack retrucou, mas era fácil para Coelhão saber que ele só estava brincando.

   “É claro que está, meu querido.” Coelhão disse simplesmente, preparando um prato para cada.

   A fachada “irritada” de Jack caiu assim que o prato de comida foi colocado em sua frente e Coelhão se sentou junto com ele.

   “E você diz que não sabe cozinhar...” Coelhão sorriu para o garoto, pegando com o garfo um pedaço de cenoura que Jack tinha colocado no molho. Ele viu o rapaz sorrir torto enquanto ele comia.

   “Ora, você esperava mesmo que eu não aprendesse um pouco com você?” Jack revirou os olhos.

   Depois disso os dois ficaram quietos, vez ou outra comentando com o outro sobre o que eles fariam aquele dia, afinal, ainda haviam preparativos para a Páscoa que precisavam ser terminados. Coelhão revirou os olhos quando Jack começou a falar sobre sair para levar o frio para algumas partes mais frias do mundo, mas já era de se esperar; Jack adorava ficar na Toca e ficar com Coelhão, mas o rapaz era como um pássaro silvestre, ele não podia ficar preso em um lugar por muito tempo, ele tinha que abrir suas asas.

   Coelhão não tinha problema com aquilo, ele nunca teve, mas dessa vez... Ele conseguia sentir algo dentro dele voltar à tona, algo antigo, parte de um instinto antigo que tinha ficado adormecido por anos e anos; algo que queria manter Jack sempre perto, onde ele sabia que o rapaz estaria em segurança.

   Ele se pegou observando Jack enquanto esse se levantava para repetir o prato, e seus olhos desceram até a barriga desse. Não era possível ver quase nada ainda, uma vez que devia ser apenas o segundo mês, a barriga de Jack era ainda lisa como sempre.

   “Você está encarando de novo...” Jack disse, tirando Coelhão de seus pensamentos.

   “Não posso?” Ele perguntou com um sorriso torto.

   “Não, pode sim. Sempre que quiser.” Jack fez uma pose, lançando um beijinho para Coelhão antes de rir alto, voltando a se sentar com uma pratada nova.

   “Sem enjoo hoje?” Coelhão perguntou, era bom ver Jack cheio de energia de dia.

   “Graças à Lua!” Jack disse, enchendo a boca com uma garfada enorme. “Eu me sinto menos enjoado ultimamente. Só algumas vezes de noite, sabe.”

   “Engula antes de falar.” O Pooka resmungou, arrancando uma risada abafada do rapaz. Ele observou o garoto comendo, sabendo que o apetite dele iria crescer quanto mais o enjoo desaparecesse.

   “Hm, eu estava pensando...” Jack começou a falar enquanto tinha a boca cheia ainda, recebendo um olhar de Coelhão. Ele retribuiu o olhar, engolindo antes de continuar. E sua expressão se suavizou. “Sobre o casamento...”

   “Sim?” Coelhão perguntou, focando toda a sua atenção em Jack.

   O rosto do garoto ficou levemente azulado.

   “Sabe, normalmente quando as pessoas se casam, um deles toma o sobrenome da outra...” Ele disse.

   “Ah.” Coelhão não pôde deixar de sorrir. “Você gostaria que eu tomasse o seu sobrenome, Jack?”

   “Ah, eu não sei...” Jack deu de ombros. Coelhão adorava ver o rapaz que normalmente se mostrava tão confiante, ficar todo sem jeito assim. “Mas eu acho que é, né? Tipo, você não tem um sobrenome para me dar, tem?” As orelhas de Coelhão tremeram levemente e o garoto notou, seus olhos se fechando em fendas. “Você tem um sobrenome?”

   O Pooka se ocupou em engolir uma garfada de macarrão, se demorando antes de responder, e aquilo só serviu ainda mais como confirmação para o Espírito do Inverno.

   “Você tem!” Jack exclamou, os olhos azuis brilhando.

   “Faz anos que não uso.” Coelhão disse simplesmente, focado mais na comida do que no garoto.

   “E qual é?” Jack perguntou, se inclinando sobre a mesa.

   “Você quer usar ele?” Coelhão perguntou, ainda mantendo os olhos abaixados.

   “Não se eu não gostar.” Jack disse.

   O Pooka riu.

   “Você vai ter que esperar para saber então.”

   “Ah, qual é!” O rapaz reclamou como uma criança. “Vamos, canguru! Me diga! Sabe, casais não deviam manter segredos um dos outros...” Ele disse com um biquinho de novo, tentando comover o outro a falar.

   Coelhão o lançou um olhar nada impressionado.

   “A nossa relação aguenta até lá.” Ele disse com um sorriso torto e uma piscadela.

   O rosto de Jack ficou mais azul ainda.

   “Sem graça.” Ele reclamou, cruzando os braços. “Primeiro as roupas Pookanas e agora o seu sobrenome!” Ele balançou a cabeça, mas parou em sua “birra” por um momento, mordendo o lábio inferior. “A não ser que... Isso é tipo, uma tradição Pookana? Manter isso em segredo?”

   Os olhos de Coelhão se tornaram mais suaves ao ouvir aquilo.

   “Não, não é.” Ele respondeu.

   “Ah.” Jack assentiu, sua expressão ficando azeda novamente. “Então você só está sendo um chato mesmo.”

   E Coelhão teve que rir.

-G-

   Era o começo do ano, o que queria dizer que a oficina do Papai Noel não estava tão agitada como ficaria daqui a alguns meses. Ainda assim alguns yetis se encontravam cuidando de alguns afazeres. E o próprio Guardião das Maravilhas estava em seu escritório, como sempre, mantendo suas mãos ocupadas.

   O silêncio da oficina era ocasionalmente interrompido pelo suave “jingle-jingle” dos elfos.

   E, mesmo focado no que fazia, Norte ainda foi capaz de ouvir um novo som entrar por uma das janelas no primeiro andar.

   Ele correu para fora da oficina, encontrando com a visitante no meio do caminho.

   “Lyubimaya!” Norte exclamou.

   “Norte.” Dentiana riu, deixando-se ser envolta pelos braços grandes do outro, se inclinando contra o abraço.

   “Fada...” Ele disse enquanto deixava seus dedos afagarem gentilmente as asas da Fada dos Dentes; ele pôde sentir um pouco de neve derretendo em baixo de seus dedos. “Eu disse para você usar um dos meus portais. Voar até aqui nos ventos do Polo Norte, meu amor! E ainda por cima gravida!”

   Dentiana se afastou do abraço de Norte, revirando os olhos, embora ainda sorrisse.

   “Eu já fiz muita coisa em situações piores, Norte, e você sabe disso.” Ela disse simplesmente e se inclinou para a frente, pousando uma mão no rosto do homem, afagando sua bochecha levemente rosada. “Está tudo bem.” Seus olhos se encontraram e ela praticamente pôde ver Norte derreter em baixo de seu olhar. “Mas então! Você conseguiu?”

   “Mas é claro!” Norte assentiu, seu rosto se iluminando, seu sorriso tão cheio de felicidade que Dentiana sentiu seu rosto esquentar um pouco.

   “E, você acha que vai funcionar com, bem, com tudo isso...?” Dentiana inclinou a cabeça para o lado, seus dedos brincando com as penas que cobriam sua barriga, em que apenas um pequeno volume já podia ser visto.

   “Talvez seja um pouco difícil...” Norte admitiu, erguendo a mãozorra e a pousando sobre a da fada. Ele inclinou a cabeça, tentando entrar no campo de visão de Dentiana, sorrindo de modo confiante quando os olhos cor de ametista se voltaram para ele. “Mas essa é mais potente que as outras, eles me disseram! Conseguiram uma boa visão mesmo com todo aquele pelo deles quando testaram!”

   As penas de Dentiana se eriçaram com aquelas palavras e ela soltou um gritinho (as fadinhas que a acompanhavam guinchando em uníssono), dançando no ar por um momento. E Norte apenas sorriu para ela, totalmente enamorado.

   “Então o que estamos esperando?” Ela exclamou, tomando a mão grande de Norte nas suas e o puxando pelo corredor. “Vamos! Vamos!” Norte a acompanhou com uma risada retumbante.

-G-

   Quando Jack e Coelhão chegaram no Polo Norte, Norte não estava em lugar nenhum, e quem os esperava lá era Dentiana junto com suas fadinhas. Emma, é claro, foi a primeira a voar até o garoto de gelo.

   “Olá, vocês dois!” Dentiana disse. Seu rosto parecia brilhar, suas penas estavam eriçadas e seu sorriso era largo, como se ela tivesse visto a coisa mais maravilhosa do mundo.

   “Oi, fada.” Jack sorriu, deixando que Emma se aninhasse em seu pescoço, como gostava de fazer. “Está tudo bem?”

   “Sim! Melhor do que bem!” A Fada dos Dentes exclamou, antes de cobrir sua boca, embora seu sorriso fosse largo demais para ser escondido. “Temos novidades!”

   “É o que eu esperaria, pra nos chamar até aqui...” Coelhão disse, erguendo uma sobrancelha, Jack revirou os olhos. “E onde está o Norte?”

   “Ah, ele logo vai se juntar a nós.” Dentiana disse, seu tom se tornando mais suave, assim como sua expressão. Antes dela se voltar para Jack, voando em direção a esse e tomando-lhe as mãos nas suas. “Jack, venha, sim. Temos que falar sobre algumas coisas.”

   “Tudo bem...?” Jack lançou um olhar para Emma e para Coelhão, antes de acompanhar a Fada dos Dentes, com o Pooka logo atrás.

   “Jack, você se lembra da conversa que tivemos algum tempo atrás? Sobre gravidez e tudo o mais?” Dentiana perguntou enquanto ela e o Espírito do Inverno flutuavam por um corredor.

   “É claro.” O rapaz disse. “Difícil de esquecer. Especialmente porque eu ainda não conseguia entender como isso sequer foi possível.”

   “Sim, sim, claro.” A fada assentiu, fazendo um sinal simples com a mão. “Então, você se lembra que falamos sobre como temos que sempre ficar de olho, na nossa saúde e na saúde dos bebês, sim?”

   “U-hum.” Jack assentiu, tentando pensar mais a fundo sobre o que eles tinham conversado. Mas não era como se ele tivesse registrado muito daquela conversa, para falar a verdade, ele ainda estava chocado demais naquele momento. “E eu tenho cuidado dessas coisas! O Coelhão aqui quase não me deixa fazer nada que possa ser ‘perigoso’ para mim ou para minha barriga.” Ele lançou um olhar por cima do ombro para o Pooka, que só revirou os olhos para ele.

   “Não é minha culpa se a maior parte das coisas que você faz são perigosas.” Coelhão disse simplesmente, antes de se voltar para Dentiana. “Jack está bem, ele anda até perdendo um pouco da náusea diária.”

   “Ah, bom, bom!” Dentiana assentiu. “Mas isso vai e vem, quem sabe o que vai acontecer mais tarde?”

   “Exatamente.” Jack disse. “Por isso eu estou aproveitando como posso!”

   “Voltando ao tópico...” Dentiana praticamente interrompeu, para a surpresa dos outros Guardiões, mas ela sorria. “Uma coisa muito importante para ter certeza de que tudo está bem é ir ao médico.”

   “Coelhão é um médico natural, isso não conta?” Jack brincou e desviou da pata de Coelhão que quase atingiu sua nuca.

   Dentiana riu.

   “Você tem sorte de ter o Coelhão por perto, sim.” Ela disse. “Mas tem algumas coisas que ele não pode fazer. E por sorte alguns dos yetis aqui são médicos treinados.”

   “Ah, eu já conheço bem a enfermaria...” Jack sorriu, se lembrando das várias vezes nesses últimos anos, que Norte tinha o empurrado até a enfermaria quando o rapaz aparecia com algum machucado aqui ou lá. Se ele soubesse que ele poderia entrar no Polo Norte sem problemas caso aparecesse com um machucadinho, pedindo pela ajuda do bom velhinho, ele teria feito aquilo bem mais cedo.

   “E agora eles têm algo novo.” Dentiana continuou dizendo, um sorriso em seu rosto. “Algo trazido aqui pela primeira vez, afinal, quem sequer poderia imaginar que nós acabaríamos grávidos!”

   Eles tinham chegado às portas da enfermaria, com suas placas pedindo por silêncio. A enfermaria não era muito diferente do resto da oficina, quente e aconchegante, cheio de cor e vida, bem diferente de enfermarias ou hospitais comuns. O lugar nunca parecia estar cheio, mas sempre havia um yeti ou elfo em uma das camas, afinal, acidentes costumavam acontecer em qualquer lugar, especialmente numa gigante oficina mágica de brinquedos.

   Coelhão e Jack acompanharam Dentiana e suas fadinhas até um dos cantos do salão, onde encontraram Norte sentado em uma cadeira.

   O Guardião das Maravilhas não pareceu notar que tinha companhia, seus olhos focados em uma tela, com uma mão descansando no joelho e a outra sobre a barba; e ele estava totalmente em silêncio, algo bastante raro. Os outros Guardiões ergueram os olhos para a tela para ver o que tinha prendido a atenção do outro.

   Jack não conseguiu entender bem o que ele estava vendo, não parecia ser mais do que um monte de manchas e riscos escuros e claros, mas ainda assim ele sentia que sabia o que era aquilo. Ele lançou um olhar para Dentiana, que olhava para a tela com um brilho no olhar e um sorriso largo no rosto, novamente, suas penas estavam eriçadas e suas asas pareciam bater com mais força – as fadinhas riam entre si, incluindo Emma.

   E Coelhão... Seus olhos estavam bem abertos e Jack entendeu que o Pooka sabia o que era aquilo que eles estavam olhando.

   “Pela Lua, esse é seu...?” Ele começou a dizer, mas não terminou. As bochechas de Dentiana se tornaram rosadas e ela só riu e assentiu.

   Norte ficou de pé com um movimento rápido, finalmente notando que não estava mais sozinho, e se voltou para os outros Guardiões. Era fácil ver que seus olhos azuis estavam molhados.

   “Coelhão! Jack!” Ele exclamou com sua voz ribombante, envolvendo o Pooka e o rapaz com os braços e os apertando em um abraço, ignorando o som de desconforto desses. “Olhem! Olhem!” Ele estava quase gritando, apontando para a tela como uma criança apontando para um brinquedo legal na vitrine de uma loja. “Veja! Eles estão bem ali!”

   “Norte, mais baixo.” Dentiana disse gentilmente, mas era claro que ela compartilhava da animação de seu companheiro, embora soubesse como controlar tal coisa.

   “Vejam!” Norte continuou dizendo, apontando para alguma coisa no meio daquela imagem estranha. “Aqui!” Ele pressionou um dedo grande contra uma pequena bola branca, antes de apontar para outra, não muito longe dela. “E aqui!” E dizendo isso, ele dançou no lugar.

   E, finalmente, Jack entendeu o que estava vendo.

   “Espera!” Ele disse, olhando da imagem para Dentiana. “Isso aqui é um daqueles negócios que eles fazem pra ver dentro das pessoas, não é?”

   “Um ultrassom, Jack.” Dentiana esclareceu, ainda sorrindo.

   “E aquilo é--”

   “Gêmeos!” Norte praticamente gritou, recebendo leves “shiu!” dos yetis da enfermaria. “Nós teremos gêmeos!”

   “Meus parabéns.” Coelhão disse, tentando se livrar do aperto do abraço do outro Guardião, sem muito sucesso.

   Jack se voltou para a tela mais uma vez, seus olhos agora focados às pequenas bolinhas claras que agora ele sabia serem mais do que bolinhas brancas. Em trezentos anos ele viu o mundo e suas tecnologias mudar, mas não era como se ele soubesse muito sobre aquelas coisas; o máximo que ele sabia sobre máquinas médicas ele tinha visto através das janelas de hospitais e por programas de TV – que ele também assistia pelas janelas das casas, caso algo chamasse sua atenção.

   De qualquer modo, ele ainda achava incrível pensar que as pessoas haviam encontrado um modo de ver algo dentro de uma pessoa sem precisar, bem...

   “Jack?” A voz suave de Emma chamou pelo garoto, o tirando de seus pensamentos.

   Ele piscou, se voltando para os outros Guardiões, que o olhavam de modo confuso.

   “Ah, meus parabéns!” Ele disse rapidamente, sorrindo para Norte e Dentiana. “Gêmeos, puxa! Que surpresa!”

   “Pois é. Inesperado.” Dentiana riu levemente.

   “Você está bem?” Coelhão – que finalmente tinha se desvencilhado dos braços de Norte – se voltou para seu namorado.

   “Sim, só estava processando.” Jack disse, desviando os olhos novamente para a tela, antes de os desviar para a cama ao lado dessa. Suas bochechas ficaram azuladas. “Eu...?”

   “Por isso chamamos vocês aqui.” Dentiana disse de modo gentil. Ela guiou Jack até a cama, o fazendo sentar em uma das beiradas. “Você prefere que fique só você e Coelhão aqui ou...?”

   O gelo nas bochechas de Jack subiu até suas orelhas. Ele desviou os olhos para Coelhão que inclinou a cabeça daquele modo que dizia, sem palavras, que ele estava perguntando se o rapaz estava bem.

   “Não, não, vocês... Podem ficar... Se quiserem...” Ele disse, um pouco sem jeito e se sentindo bobo por causa daquilo.

   “Jack, ei.” A voz de Dentiana era suave e ela se abaixou um pouco – não que fosse preciso – para entrar no campo de visão do rapaz de gelo. Sua mão pequenina ergueu o queixo pálido desse. “O que foi?”

   “É só...” Jack começou a falar, mas estava tendo dificuldade em encontrar as palavras. “Eu não sei.” Seus olhos se desviaram para a imagem na tela. “Olha, eu sei bem que eu estou grávido e tudo o mais, mas, por algum motivo, depois de ver o seu... Ultrassom.” Ele disse após Dentiana repetir a palavra para ele. “Eu não sei, mas é como se, só agora, a ficha caiu que eu... Que tem uma coisinha crescendo dentro de mim...” Seus olhos pousaram em sua barriga, ainda praticamente lisa, sem quase nenhum sinal de que havia alguma coisa ali, além do que se esperaria.

   “Ah, eu sei bem como é isso.” A Fada dos Dentes sorriu gentilmente, afagando as mãos do rapaz. “Como acha que me senti com aquilo?”

   “Se não está se sentindo pronto para isso, Jack, é só dizer.” Coelhão disse rapidamente, suas orelhas levemente abaixadas.

   “Não!” Jack retrucou. “Não, eu quero ver!” Ele abaixou a voz após algum yeti pedir por silêncio mais uma vez, e suspirou. “Desculpa, só estou um pouco nervoso...”

   A mão grande e quente de Norte pousou no ombro de Jack, um peso confortável.

   “Está tudo bem, Jack.” Ele disse, sorrindo para o Espírito do Inverno do mesmo modo gentil de sua companheira. “Deite. Deixe que Noah cuide de tudo.” Ele gesticulou para um yeti do outro lado do salão que assentiu, deixando de lado o que estava fazendo para se juntar aos Guardiões.

   Jack respirou fundo, antes de se deitar na cama, erguendo a jaqueta com as bochechas azuladas quando Noah se aproximou, falando alguma coisa em sua língua de Yeti. Ele observou enquanto o ser felpudo mexeu na máquina, curioso em como aquilo devia funcionar.

   Os segundos se estenderam e Jack começou a se sentir mais desconfortável em sua posição... Coelhão se sentou ao lado do rapaz que o lançou um olhar, como se tivesse pressentido o que se passava com Jack.

   “Pode segurar a minha pata que quiser.” O Pooka disse com um sorriso torto.

   Jack só revirou os olhos, mas de qualquer modo estava feliz em ter o Pooka ao seu lado.

   O yeti pegou um pequeno frasco, tirando um pouco de gel de dentro e falando alguma coisa para Jack antes de passar o gel na barriga do rapaz. Jack tremeu, mas não por causa da sensação gelada, mas simplesmente por causa do toque. Depois de limpar as mãos, Noah pegou um dos cabos conectados à máquina, guiando a ponta de formato quase oval para a barriga de Jack e pressionando. Jack mordeu o lábio, ainda mais desconfortável.

   As imagens na tela da máquina mudaram e Jack as observou. Huh, então era assim que as coisas eram dentro dele? Honestamente, o rapaz estava bem curioso, afinal, ele não tinha útero para ter um bebê! Ou pelo menos, não que ele soubesse. Então como aquilo tinha acontecido? Como aquela coisinha estava crescendo dentro dele?

   Ele sabia que a magia de um desejo era a resposta para aquelas perguntas, mas ele ainda queria saber melhor como aquilo funcionava.

   E pelo jeito os outros Guardiões estavam tão interessados e curiosos quanto ele, se inclinando para a tela.

   Noah disse alguma coisa, fazendo gestos em direção à tela.

   “Ah, interessante...” Norte assentiu.

   “O que?” Jack perguntou, pela primeira vez desviando a atenção da máquina.

   “Noah explicou, eh...” O Guardião das Maravilhas começou a falar, parecendo não saber que palavras usar.

   “Como as coisas estão funcionando.” Coelhão terminou, apontando para a tela enquanto Noah manteve a imagem focada em um só lugar. “Ali. O bebê está crescendo em uma área em que um útero estaria, mas como você não tem nada do tipo, é só... Como se fosse um saco mágico.”

   “Saco?” Jack riu e Coelhão revirou os olhos.

   “Saco amniótico.” Ele esclareceu.

   “Faz sentido.” Dentiana assentiu.

   O yeti chamou a atenção de todos mais uma vez, movendo a imagem com um sorriso quase escondido no pelo de seu rosto. Ele moveu o objeto em suas mãos até a frente da barriga do Espírito do Inverno, até que...

   “Ah, ali!” Jack exclamou, apontando para algo que parecia familiar quando ele se lembrava da imagem que ele tinha visto antes. “É...?”

   “Sim, Jack...” Coelhão disse e sua voz era suave, e havia algo mais nela, algo aconchegante, mas que parecia trazer consigo algo mais, algo quase melancólico, mas contente. “Ali está ele.”

   Jack apenas encarou a pequena bolinha, que não parecia ter forma alguma a não ser... Bem, uma forma disforme. Mas lá estava ele. Uma coisinha estava realmente crescendo dentro dele. Era... Um tanto difícil aceitar...

   “É uma menina ou um menino?” Ele se ouviu perguntando, sem realmente registrar.

   “É cedo demais para saber.” Dentiana sorriu. “E pelo jeito também é cedo demais para saber se é humano ou Pooka...”

   Jack assentiu e não pôde deixar de se sentir agitado, talvez impaciente, se perguntando quanto tempo mais ele teria que esperar.

   Emma, que tinha voado para se juntar às outras fadinhas, voou até a tela para ver melhor. Ela ergueu uma mãozinha e tocou a imagem, soltando um guincho baixinho. Jack não pôde deixar de sorrir.

   “Olhe só, seu sobrinho é menor que você Emma.” Dentiana riu e a fadinha guinchou de novo, se voltando para Jack com um sorriso tão conhecido do rapaz.

   “Há mais?” A voz de Coelhão tirou Jack de seus pensamentos.

   Ele se voltou para seu namorado, notando o brilho nos olhos do Pooka, reconhecendo aquilo que o Pooka celebrava como Guardião brilhando naqueles orbes verdes.

   Noah moveu a imagem um pouco mais, examinando-a com os olhos antes de balançar a cabeça, dizendo o que Jack já reconhecia ser um “não”.

   “Só um então.” Coelhão assentiu e Jack não pôde deixar de notar o leve desapontamento na voz dele. Mas então o Pooka encontrou seu olhar e ele sorriu aquele sorriso gentil e doce que fazia o coração gelado de Jack bater mais forte.

   Norte riu.

   “Irônico que nós vamos ter dois e vocês só um!” Ele disse, batendo com a mãozorra no ombro do Pooka, que o lançou um olhar irritado. “Honestamente eu estava esperando mais de vocês!”

   “Mais?” Jack perguntou, como se só agora ele tivesse processado o que eles estavam falando sobre.

   “Coelhos, Frostbite.” Coelhão esclareceu.

   “Ah.” Jack murmurou, e era como se só agora ele tivesse processado sobre o que estavam falando. Ele sabia que coelhos eram bem conhecidos por terem muitos filhotes e bem rápido. Pensar em ter mais de um bebê crescendo dentro dele... “Mas é só um, não é?”

   “Sim, é só um, não se precisa ficar nervoso, Jack.” Coelhão disse rapidamente, rindo um pouco.

   “Eu não estou nervoso!” Jack retrucou. “Só estou perguntando pra ter certeza.”

   Coelhão apenas riu de novo e Jack o encarou em silêncio, notando algo na expressão de seu namorado que ele já tinha visto antes... Mas ele não chegou a perguntar o que era, quando Norte começou a falar sobre o ultrassom de Dentiana.

-G-

   “Tudo bem, Jack?” Coelhão perguntou quando os dois voltaram para a Toca.

   “Sim, só estava pensando... Sobre tudo.” Jack suspirou, se deixando cair na relva baixa. Deitado no chão era como se toda a tensão em seu corpo tivesse sumido. Sua mão desceu para sua barriga mais no instinto do que por qualquer outro motivo. “Ugh, gel chato...” Ele limpou na grama o resto do gel que tinha manchado sua jaqueta.

   “Um banho?” Coelhão perguntou, se sentando ao lado do rapaz.

   “Daqui a pouco.” Jack disse simplesmente, fechando os olhos. Seus dedos pálidos descansaram em cima de sua barriga. “Então tem uma coisinha só aqui dentro.”

   “Sim.” Coelhão assentiu.

   Os dois ficaram em silêncio, o som da brisa suave e do córrego colorido não muito longe dali sendo os únicos sons ao redor. Jack sabia que mais cedo ou mais tarde Coelhão iria levantar para continuar seu trabalho com os ovos, mas agora ele parecia estar também tomando um momento para processar o que eles tinham visto na oficina de Norte.

   Então eles iam ter um bebê, um filhote, um seja lá o que for.

   Jack pensou de novo na mudança na expressão de Coelhão quando e ele perguntou se havia mais de um bebê e o modo como ele reagiu com a noticia de que só havia um. Honestamente, Jack não tinha pensado muito a fundo sobre aquilo e ele até se sentia bobo por não ter feito isso antes.

   Ele se perguntou se Coelhão ficaria mais feliz com mais filhos... Mas ele conhecia bem o Pooka a esse ponto e o amor que ele tinha para com crianças, ele sabia que ele iria amar aquela coisinha com todo o amor do mundo.

   Mas agora, ele não conseguia deixar de pensar em algo mais, algo que não tinha relação com ele, mas sim com o Pooka apenas.

   “Então...” Ele começou, estudando a reação do outro. “Coelhos tem vários filhotes.” Coelhão se voltou para ele, erguendo uma sobrancelha. “Mas e Pookas?”

   “Eu podia jurar que você ia perguntar sobre ‘cangurus’.” O Pooka bufou.

   “Podemos repassar todos os marsupiais mais tarde.” Jack revirou os olhos, mas teve que sorrir, feliz em ouvir Coelhão fazendo uma piada.

   “Pookas são tão prolíferos quanto coelhos, sim.” Coelhão disse e, como sempre acontecia quando ele falava sobre seu povo, seu tom se tornou quase sonhador. “Talvez até mais.” Ele riu. “Eu tinha mais de trinta irmãos e irmãs para você ter uma ideia.”

   “Pela Lua...” Jack arfou. Céus, e ele já achava ter uma irmã difícil, imagine trinta! Ele hesitou antes de fazer a próxima pergunta. “E quanto a...”

   “Doze.” Coelhão disse, ainda sorrindo, adivinhando a pergunta sem pestanejar. “Seis fêmeas, cinco machos e um outro.”

   “Outro...” Jack murmurou, sem entender.

   “Sim.” Coelhão assentiu simplesmente.

   Jack sorriu mesmo assim. Ele sabia que, mesmo depois de tanto tempo e, mesmo com Coelhão dizendo que ele não se importava de falar sobre aquilo, aqueles eram temas sensíveis. Havia tanto ainda que Jack não sabia sobre Coelhão, mas aos poucos ele estava aprendendo, e o fato de que Coelhão se sentia tão confortável dividindo aquilo com ele o deixava feliz.

   “Agora treze.” Ele disse, apontando para sua barriga.

   “Um número da sorte para humanos, não é?” Coelhão disse, erguendo a pata e a descansando no ventre do rapaz.

   “Mais um número de azar.” Jack mencionou. “Sabe, sexta-feira treze e tudo o mais?”

   Coelhão revirou os olhos.

   “Número da sorte para alguns.” Ele disse simplesmente.

   O silêncio retornou, confortável como antes. Jack se inclinou contra a grama mais uma vez, sentindo a pata felpuda de Coelhão desenhando círculos sobre sua pele. Seu toque, como sempre, era tão gentil quanto sua voz.

   Mas ainda assim, Jack não conseguia parar de pensar na reação do Pooka mais cedo...

   “Ei.”

   “O quê?” Coelhão virou os olhos para o rapaz.

   “Você gostaria se fosse mais de um?” Ele perguntou de modo gentil, sem querer de algum modo fazer Coelhão se sentir desconfortável.

   “Eu estou feliz de qualquer modo.” Coelhão disse sem pestanejar, dando leves tapinhas na barriga desse, o que o fez rir um pouco. “O que importa é que é nosso filhote, Jack.”

   “É... Tem razão.” O Guardião da Diversão assentiu.

   Ele abaixou os olhos para sua barriga, pousando uma mão sobre a pata de Coelhão. Ela era tão pequena perto dessa! E o Espírito se encontrou novamente pensando na aparência do bebê/filhote, se ele teria mãos de humano ou patas de coelho...

   Uma outra pata grande tocou o queixo dele, erguendo seu rosto.

   “O que foi?” Coelhão perguntou, seus olhos verdes confusos, como se ele não pudesse compreender o que estava preocupando o rapaz. Mas Jack não estava mais preocupado.

   “Nada.” Ele deu de ombros, rindo levemente. “Eu só fiquei com vontade de ver ele de novo. Eu sei que a gente não viu mais do que uma bolinha branca de três centímetros ou sei lá, mas eu queria ver de novo.”

   Coelhão assentiu, suas sobrancelhas se unindo como elas sempre faziam quando ele estava pensando. Jack esperou, sabendo que aquilo queria dizer alguma coisa. A pata na barriga do Espírito do Inverno ficou parada no lugar, mas a outra desceu até a grama, os dedos grossos brincando com as folhas de grama.

   O Pooka fechou os olhos e respirou fundo, antes de soltar um bufado e sorrir torto.

   “Coelhão...?” Jack chamou, curioso.

   O Guardião da Esperança se voltou para o outro e seus olhos pareciam brilhar com um verde intenso, de um modo que Jack nunca tinha visto antes. E ele sorria, um sorriso brincalhão, tão similar ao do Guardião da Diversão que qualquer um ficaria chocado de ver, mas que Jack adorava com todo o seu coração.

   “Deixe-me te contar uma coisa.” Coelhão se aproximou, como se estivesse contando um segredo e Jack entrou na brincadeira, se inclinando para seu namorado. “A fada estava errada.”

   “Sobre o que?” O rapaz perguntou.

   “Sobre eu não poder fazer certas coisas.” O sorriso de Coelhão se alargou, mostrando mais de seus dentes retos. Ele tomou as mãos de Jack nas suas e se levantou, puxando o garoto com ele. “Venha.”

   Os dois Guardiões desceram pela colina esverdeada, em uma direção já familiar para o Espírito do Inverno. Em pouco tempo eles estavam de volta ao “templo” em que Coelhão havia pedido Jack em casamento.

   “Aqui.” Coelhão guiou o rapaz até o fim do templo, até a luz que entrava do teto.  “Sente-se.” Ele ajudou Jack a fazer tal coisa, o sentando com as costas contra uma parede de pedra, de modo que ele ficasse de frente para a luz. “Tire a camisa, sim?”

   Jack ergueu uma sobrancelha, mas fez como pedido, deixando a jaqueta de lado. Ele se sentia muito mais confortável sem camisa com só o Coelhão por perto, mesmo sem ele entender o que estava acontecendo.

   O Pooka se agachou ao lado de um dos pequenos córregos que corriam aos pés das vigas de pedra. Ele pegou um pequeno punhado de terra e praticamente saltitou até o rapaz. Ele sorriu para a expressão curiosa do rapaz antes de levar o pequeno amontoado de terra molhada até a pele pálida de Jack.

   “Coelhão, o que...?” Jack riu com a sensação, ainda mais confuso enquanto o Pooka cobria sua pele com uma fina camada de terra.

   “Relaxe.” Coelhão disse simplesmente. “Isso não vai te machucar, é só um pouco de mágica Pookana.”

   “Eu não sabia que você podia fazer mágica?!”

   Coelhão parou por um momento, lançando um olhar descrente para o rapaz.

   “Eu posso mudar de forma, tenho bumerangues mágicos e vivo em uma Toca encantada e você achava que eu não podia usar magia quando bem desejar?” Ele sorriu, quase rindo daquelas palavras.

   “Olha, eu sei lá, tá bem?” Jack deu um leve empurrão no ombro do Pooka, mas esse nem se balançou no lugar. “Mas sério, o que você está fazendo?”

   “Paciência, meu querido. Você vai ver.” Coelhão disse no mesmo tom calmo. “Assim é mais fácil do que ter que voltar para o Polo Norte toda vez...”

   Jack piscou uma ou duas vezes, sem saber exatamente o que o Pooka queria dizer com aquilo.

   “Logo eu vou ficar incomodado com gente esfregando coisas na minha barriga...” Ele reclamou e tudo o que Coelhão fez foi rir. Ainda assim, ele ficou parado, esperando para ver o que diabos o outro estava fazendo.

    Depois de terminar o que estava fazendo, Coelhão tomou as mãos de Jack e as guiou até a camada fina de terra molhada, descansando suas próprias patas sobre elas por alguns segundos. Jack desviou os olhos de sua barriga para seu namorado, esperando impacientemente.

   As sobrancelhas de Coelhão estavam unidas e tanto suas orelhas quanto seus bigodes tremiam vez ou outra. E seus olhos... Jack não pôde deixar de se perder naqueles orbes verdes, que pareciam vibrar com um brilho diferente que Jack nunca tinha visto antes...

   E então Coelhão afastou as mãos de Jack, removendo a camada de terra e a recolhendo em suas patas com cuidado. Jack abriu a boca para perguntar o que ele estava fazendo agora, mas se calou quando o Pooka lançou a terra no ar, em direção do facho de luz frente a eles.

   Ao invés de cair como se esperaria que fizessem, as partículas de terra giraram no ar, brilhando em baixo da luz, aos poucos se movendo até formar uma imagem...

   Jack arfou, reconhecendo a mesma coisa que ele tinha visto na tela da máquina de ultrassom no Polo Norte.

   “Oh... Uau...” Foi só o que ele conseguiu dizer. “É que nem na máquina...”

   “Sim, mas feito do modo Pookano.” Coelhão disse e Jack conseguia ouvir o sorriso em sua voz, mas ele não conseguiu desviar os olhos da imagem flutuando à sua frente.

   Jack ergueu a mão para tocar a pequena bolinha que ele sabia agora ser um serzinho em desenvolvimento, mas seu dedo a atravessou, a desfazendo só por um momento. Coelhão tomou a mão de Jack na sua, como que para impedi-lo de fazer mais.

   E, em pouco tempo, a imagem se desfez, caindo no chão como se nada tivesse acontecido.

   Jack piscou, se virando para Coelhão, sem saber exatamente o que dizer. O Pooka estava o observando - talvez tivesse o observado todo esse tempo, ele não poderia dizer – e sorria daquele modo doce dele.

   “Infelizmente não dá para admirar por muito tempo, mas...” Ele deu de ombros e abriu a boca para falar mais, mas foi silenciado pelos lábios de Jack pressionando contra os seus.

   O beijo foi curto, mas profundo, antes que o rapaz se afastasse.

   “Você pode fazer isso de novo?” Ele perguntou, seus olhos azuis brilhando.

   “Em um outro momento, sim.” Coelhão assentiu e sorriu, afagando os cabelos brancos do rapaz como que para acalmá-lo. “Mas faz tempo que eu não uso esse tipo de magia, então é melhor esperar por um tempo.”

   “Não importa!” Jack exclamou. “Assim é bem melhor!” Ele disse, sorrindo seu típico sorriso brincalhão. “Sem aquele gel chato...”

   E Coelhão riu, envolvendo o rapaz com seus braços, com uma de suas patas encontrando seu caminho até a barriga de Jack e ficando ali.


 

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